Publicado em: 5 de dezembro de 2025

CAMEX: por que a Câmara de Comércio Exterior deveria entrar no seu radar estratégico

Quando falamos de comércio exterior no Brasil, muitas vezes olhamos só para câmbio, frete e alfândega. Mas, se lideramos logística, supply chain, finanças ou operações em grandes empresas, existe um “órgão invisível” que mexe diretamente em tarifas, defesa comercial, financiamento à exportação e ambiente regulatório: a Camex, Câmara de Comércio Exterior. Nos últimos anos, a […]

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Quando falamos de comércio exterior no Brasil, muitas vezes olhamos só para câmbio, frete e alfândega. Mas, se lideramos logística, supply chain, finanças ou operações em grandes empresas, existe um “órgão invisível” que mexe diretamente em tarifas, defesa comercial, financiamento à exportação e ambiente regulatório: a Camex, Câmara de Comércio Exterior.

Nos últimos anos, a Camex foi redesenhada, ganhou novas competências e passou a atuar também em investimentos e facilitação de comércio. Isso não é detalhe jurídico: é variável de planejamento para quem decide CAPEX, sourcing global e estratégia de mercados.

A seguir, organizamos o tema com olhar de gestão, e não de manual jurídico.

O que é a Camex hoje

A Camex é o órgão do governo federal responsável por formular, coordenar e avaliar as políticas de comércio exterior do Brasil. Ela atua sobre bens e serviços, incluindo turismo, e integra o Conselho de Governo da Presidência da República.

Na prática, a Camex funciona como “hub” de política comercial: conecta ministérios (Economia/MDIC, Relações Exteriores, Agricultura, Fazenda, Planejamento etc.) e coordena decisões sobre tarifas, incentivos, defesa comercial, facilitação de comércio e investimentos.

Hoje, a Camex é disciplinada pelo Decreto nº 11.428, de 2 de março de 2023, que redefiniu sua estrutura, composição e competências, revogando o Decreto nº 10.044/2019.

O Decreto nº 11.428/2023 organiza a Camex em diversos componentes. Para quem está do lado empresarial, três blocos são especialmente relevantes:

  • Conselho Estratégico
  • Comitê-Executivo de Gestão (Gecex)
  • Comitês temáticos (tarifas, defesa comercial, facilitação, investimentos, financiamento e garantias etc.)

O mesmo decreto lista a estrutura da Camex da seguinte forma:

  • Conselho Estratégico
  • Comitê-Executivo de Gestão
  • Conselho Consultivo do Setor Privado
  • Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações
  • Comitê de Alterações Tarifárias
  • Comitê de Defesa Comercial e Interesse Público
  • Comitê Nacional de Facilitação de Comércio
  • Comitê Nacional de Investimentos
  • Ombudsman de Investimentos Diretos
  • Ponto de Contato Nacional da OCDE para diretrizes a multinacionais

A Secretaria-Executiva da Camex integra a estrutura do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o que reforça o viés de política industrial e de inserção externa da economia brasileira.

Para gestores, isso significa que decisões que mexem com a estrutura de custos e incentivos de cadeias globais passam, em grande medida, por esses fóruns.

O que a Camex decide na prática para a nossa empresa

Tarifas de importação, ex-tarifários e “lista Camex”

O Comitê de Alterações Tarifárias (CAT) é o fórum onde se discutem mudanças pontuais na Tarifa Externa Comum (TEC), reduções temporárias e regimes como o ex-tarifário.

A chamada “lista Camex” ou tabela Camex é um instrumento que permite identificar se um produto importado tem similar nacional, com base na NCM e na descrição do produto. Essa análise é central para concessão de reduções de alíquota de importação em regimes como ex-tarifário para bens de capital e bens de informática e telecomunicações.

Em termos de impacto:

  • decisões da Camex podem reduzir temporariamente alíquotas, destravando projetos de CAPEX e modernização industrial;
  • ou podem elevar tarifas e proteger segmentos da indústria local, afetando a competitividade de cadeias que dependem de insumos importados.

Para supply chain e finanças, acompanhar agendas de consulta pública da Camex relacionadas a NCMs críticas vira um tema de estratégia, não só de compliance.

Defesa comercial e interesse público

O Comitê de Defesa Comercial e Interesse Público (CDEIP) trata de medidas de antidumping, subsídios e salvaguardas, bem como da análise de interesse público sobre essas medidas.

Quando uma investigação de dumping ou subsídios resulta em sobretaxas, a Camex participa da decisão sobre aplicar, modular ou até suspender essas medidas, considerando efeitos sobre indústrias a jusante, inflação e política industrial.

Do ponto de vista de cargos estratégicos, isso significa:

  • risco de aumento súbito de custos de insumos importados;
  • oportunidade de proteção para segmentos em que somos produtores locais relevantes;
  • necessidade de dialogar tecnicamente com associações setoriais, governo e cadeia de valor quando uma investigação afeta diretamente nosso negócio.

Estudos acadêmicos sobre a institucionalidade da política comercial brasileira mostram que a Camex foi criada justamente para coordenar interesses divergentes dentro do Executivo e reduzir decisões fragmentadas em tarifação e defesa comercial.

Financiamento e garantias às exportações

O Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações (CFGE) articula políticas como Seguro de Crédito à Exportação (SCE), Proex e instrumentos de apoio à internacionalização.

Um exemplo recente é a retomada do SCE pós-embarque para micro, pequenas e médias empresas, anunciada no âmbito da Camex para reduzir risco de inadimplência e crises políticas em mercados externos.

Para grandes empresas, linhas de financiamento à exportação e garantias públicas influenciam:

  • decisões de prazo de pagamento a clientes externos;
  • desenho de políticas de crédito;
  • apetite a novos mercados de maior risco político.

Facilitação de comércio, Portal Único e agenda regulatória

O Comitê Nacional de Facilitação de Comércio conecta a Camex com a implementação do Acordo de Facilitação de Comércio da OMC e com o Portal Único de Comércio Exterior.

Estudos da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e análises do governo federal estimam que a plena implementação do Portal Único, com simplificação e integração de processos de importação e exportação, pode aumentar significativamente a corrente de comércio brasileira até 2030–2040, pela redução de prazos e custos.

Se sua operação depende de lead times internacionais competitivos, a agenda de facilitação que passa pela Camex mexe diretamente com estoques, capital de giro e nível de serviço.

Investimentos estrangeiros e ambiente para IDE

O Decreto nº 11.428/2023 incluiu, no escopo da Camex, o Comitê Nacional de Investimentos, o Ombudsman de Investimentos Diretos e o Ponto de Contato Nacional da OCDE.

Mais recentemente, a Camex lançou a plataforma InvestVis, que oferece dados sobre investimentos estrangeiros diretos no mundo, com foco em apoiar decisões de política pública e orientar a iniciativa privada.

Para multinacionais e grandes grupos locais, isso significa que a Camex é um ponto de referência tanto para:

  • compreender a estratégia brasileira em atração de IDE e acordos;
  • quanto para antecipar mudanças regulatórias que podem afetar nossa posição competitiva em cadeias globais.

O que pesquisas e estudos dizem sobre a Camex

A literatura acadêmica sobre política comercial brasileira mostra que a Camex surgiu como tentativa de coordenar uma agenda fragmentada entre vários ministérios e órgãos. Trabalhos como a dissertação da FGV que avalia a atuação da Camex na formulação e coordenação da política comercial, e artigos publicados em plataformas como SciELO e Redalyc, enfatizam:

  • a Camex elevou a coerência da política comercial, reduzindo decisões ad hoc;
  • a composição interministerial cria um espaço de negociação entre visões pró-abertura, proteção setorial e política industrial;
  • o equilíbrio de forças dentro da Camex varia ao longo do tempo, conforme prioridades de governo e pressões setoriais.

Para gestores, isso reforça um ponto importante: decisões que afetam tarifas, defesa comercial e facilitação não são aleatórias; elas passam por um arranjo institucional relativamente estável, que pode ser monitorado e, em certos casos, influenciado por meio de associações empresariais e conselhos consultivos.

O que mudou com o Decreto 11.428/2023

Em 2023, o governo redefiniu a estrutura da Camex pelo Decreto nº 11.428, revogando o Decreto nº 10.044/2019. Análises de entidades como o Observatório da Indústria da FIERGS e consultorias especializadas em comex destacam alguns efeitos práticos dessa mudança:

  • maior integração da Camex ao MDIC, reforçando o vínculo com política industrial;
  • reorganização de comitês e criação de instâncias específicas para investimentos e facilitação de comércio;
  • clarificação de competências de cada comitê, inclusive no relacionamento com o setor privado.

Na prática, para empresas enterprise, isso significa uma Camex mais claramente posicionada como “orquestradora” da política comercial, conectando tarifas, defesa, facilitação e investimentos em um mesmo desenho.

Exemplo recente: Camex no centro de decisões de retaliação tarifária

Em 2025, a Camex voltou ao noticiário internacional ao ser acionada pelo governo brasileiro para analisar possíveis medidas de retaliação contra tarifas impostas pelos Estados Unidos. Segundo reportagens, a Camex foi encarregada de aplicar uma nova lei de reciprocidade comercial, avaliando contramedidas, inclusive aumento de tarifas sobre produtos norte-americanos.

Esse episódio ilustra como, em cenários de tensão comercial, a Camex se torna o locus de decisões que podem alterar rapidamente:

  • a estrutura tarifária para setores específicos;
  • a atratividade de mercados;
  • o risco regulatório em cadeias globais.

Se você atua em segmentos sensíveis a medidas de retaliação ou preferências tarifárias, acompanhar esse tipo de pauta deixa de ser “assunto macroeconômico distante” e vira tema de planejamento.

Como cargos estratégicos podem usar a Camex a favor do negócio

Do ponto de vista de C-level, diretoria e heads, algumas linhas de ação fazem sentido:

Mapear NCMs críticas e conectá-las à agenda da Camex

Relacionar os principais códigos NCM da nossa cadeia com consultas públicas, ex-tarifários, medidas de defesa comercial e alterações tarifárias em discussão na Camex.

Integrar política comercial ao planejamento de supply chain

Tratar decisões da Camex como cenários de planejamento: “e se a tarifa subir/baixar em X p.p.?”, “e se um ex-tarifário não for renovado?”.

Acompanhar comitês e agendas setoriais

Utilizar associações, câmaras de comércio e conselhos consultivos para ter leitura antecipada das prioridades da Camex e, quando fizer sentido, participar tecnicamente do debate.

Conectar comex, logística e finanças em torno da política comercial

Em vez de tratar decisões da Camex como algo que “chega pronto” para o comex executar, criar rotinas de diálogo entre quem olha custo, risco, margem, pricing e nível de serviço.

Avaliar oportunidades em programas e instrumentos da Camex

Em temas como facilitação, investimentos e financiamento à exportação, há espaço para capturar benefícios diretos, e não apenas mitigar riscos.

    Perguntas para levar à próxima reunião de planejamento

    Se quisermos trazer a Camex para a conversa estratégica, podemos começar com algumas perguntas simples:

    1. Quais NCMs da nossa cadeia dependem hoje de ex-tarifário ou de decisões recentes da Camex?
    2. Qual seria o impacto para margem e competitividade se essas condições mudarem?
    3. Em quais investigações de defesa comercial a nossa cadeia está direta ou indiretamente exposta?
    4. Temos alguém responsável por monitorar agendas de Portal Único, facilitação de comércio e OEA, que dialogam com a Camex?
    5. Estamos utilizando instrumentos de financiamento e garantias à exportação que passam pela órbita da Camex?

    Essas perguntas deslocam o tema de “política pública distante” para “variável que mexe na nossa DRE, no nosso balanço e na nossa estratégia de mercados”.

    Camex como variável de competitividade, não rodapé regulatório

    A Camex é, em essência, a mesa onde o governo brasileiro decide como o país se insere nas regras do jogo do comércio internacional: tarifas, defesa, facilitação, investimentos, financiamento à exportação.

    Se continuarmos tratando suas decisões apenas como “resoluções que o jurídico ou o despachante nos avisam depois”, perdemos a chance de antecipar riscos e capturar oportunidades.

    Como lideranças de logística, comex, supply chain, finanças e operações, faz cada vez mais sentido incorporar Camex, Portal Único, OEA e agenda de facilitação de comércio ao nosso repertório de planejamento.

    Não para virar especialistas em direito público, mas para garantir que as decisões tomadas em Brasília estejam alineadas com a estratégia que estamos desenhando para os próximos anos.

    Se as decisões da Camex continuam chegando para nós apenas como “resolução publicada” ou “mudança de alíquota informada pelo fornecedor”, estamos reagindo – não planejando.

    Se a sua empresa depende de importação, exportação ou cadeias globais de suprimentos, vale dar o próximo passo: mapear NCMs críticos, avaliar exposição a defesa comercial e conectar política comercial ao planejamento de supply chain e finanças.

    Vamos conversar sobre como estruturar essa visão de forma prática, com dados e cenários, e transformar a Camex em parte da sua estratégia – não apenas do seu risco regulatório.

    David Pinheiro

    Especialista em Supply Chain com mais de uma década de experiência no mercado de logística. Atuando como CEO e fundador da Cargo Sapiens, ele lidera iniciativas inovadoras para transformar o setor, combinando conhecimento técnico com uma abordagem estratégica e centrada em resultados.

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