Quando se fala em alfândega no Brasil, ainda é comum o tema aparecer na diretoria apenas como “multa”, “custo extra” ou “morosidade”. Mas, para quem lidera logística, supply chain, comex, finanças ou operações, a aduana é um dos principais pontos de impacto em lead time, capital de giro, risco regulatório e competitividade internacional.
A seguir, organizamos o tema com olhar de gestão: marco legal, desempenho do Brasil, agenda de modernização e, principalmente, quais decisões estratégicas estão na mão da empresa e não apenas da alfândega.
O que é a alfândega no Brasil e qual o marco legal
A função aduaneira no Brasil é exercida principalmente pela Receita Federal do Brasil (RFB). O Regulamento Aduaneiro, estabelecido pelo Decreto nº 6.759/2009, define como se dão a administração das atividades aduaneiras, a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior.
Para a alta gestão, a alfândega deveria ser enxergada como um nó logístico-regulatório que junta, ao mesmo tempo, tributação, risco, compliance, lead time e custo.
Em termos simples, a alfândega no Brasil atua em quatro frentes principais.
1. Fiscal e tributária
Administração e cobrança de tributos na importação (Imposto de Importação, IPI, PIS/COFINS-Importação etc.) e gestão de regimes especiais como drawback, entreposto, admissão temporária, entre outros.
2. Controle de fluxo do comércio exterior
Registro, conferência e liberação das declarações de exportação e importação, inclusive definição de canais de conferência (verde, amarelo, vermelho, cinza) e verificação física e documental.
3. Proteção da sociedade e da indústria
Combate a contrabando, subfaturamento, falsificação e controle de bens sensíveis ou regulados, em coordenação com outros órgãos (Anvisa, MAPA, Exército etc.).
4. Estatística e facilitação
Produção de estatísticas oficiais de comércio exterior e implementação de medidas de facilitação, alinhadas ao Acordo de Facilitação de Comércio da OMC e à agenda de digitalização (Portal Único, OEA).
Indicadores de desempenho: como a alfândega impacta a competitividade
No cenário internacional, o desempenho do Brasil em logística e alfândega é frequentemente medido pelo Logistics Performance Index (LPI), do Banco Mundial. Na edição 2023, o Brasil aparece na 51ª posição entre 139 países, com nota geral 3,2 em 5. Na dimensão “customs” (eficiência do processo de liberação aduaneira), o país tem nota 2,9 e ocupa a 56ª posição.
Isso coloca o Brasil em uma posição intermediária: melhor que parte dos emergentes, mas ainda distante dos países que utilizam a eficiência aduaneira como vantagem competitiva.
No plano doméstico, a Receita Federal disponibiliza bases de dados abertos sobre tempos médios de despacho de importação, por região fiscal e tipo de operação.
Um estudo específico sobre a “Variabilidade dos tempos de despacho aduaneiro de importação” na Alfândega do Porto de Santos mostra que:
- o tempo entre o registro da declaração de importação e o desembaraço varia fortemente por canal de conferência;
- cargas em canal verde podem ter desembaraço em poucas dezenas de horas, enquanto cargas em canal vermelho, com exigências e inspeções, podem ficar centenas de horas sob controle aduaneiro.
O próprio estudo ressalta que esses tempos representam apenas uma fração do ciclo total da importação, que inclui descarga, armazenagem, atuação de outros órgãos anuentes e tempo do próprio importador para cumprir exigências.
Para cargos estratégicos, a leitura é direta: não basta responsabilizar a alfândega – é preciso medir quanto do lead time e do custo aduaneiro está ligado a fatores internos (documentação, classificação, processos, escolha de parceiros) e quanto decorre de fatores externos.
Modernização e facilitação: Portal Único e OEA
Portal Único de Comércio Exterior
O Portal Único de Comércio Exterior é a principal plataforma federal de digitalização de processos de importação, exportação e regimes. A ideia é substituir fluxos fragmentados por um fluxo eletrônico único, com integração entre órgãos anuentes e redução de redundâncias documentais.
Um estudo da CNI, em parceria com a Receita Federal, projeta que a melhoria da eficiência aduaneira proporcionada pelo Portal Único pode gerar impactos positivos expressivos na corrente de comércio até 2040, via redução de prazos, custos e incerteza operacional.
Além disso, a Lei nº 14.195/2021 consolidou obrigações de uso do Portal Único por órgãos intervenientes, reforçando o caminho da digitalização e do “comércio sem papel”.
Programa OEA (Operador Econômico Autorizado)
O OEA é um programa em que a Receita Federal certifica empresas consideradas de baixo risco e alta conformidade. Empresas certificadas como OEA passam a ter:
- cargas com menor tempo de despacho,
- maior previsibilidade,
- tratamento prioritário em diversas situações aduaneiras.
A própria Receita Federal define o OEA como “parceiro estratégico”, com benefícios relacionados à agilidade e previsibilidade dos fluxos de comércio exterior.
Para uma grande empresa, a decisão de buscar certificação OEA não é apenas operacional; é uma decisão de governança: investir em controles, compliance e padronização para ganhar previsibilidade, reduzir custos logísticos e risco regulatório.
Onde estão os principais riscos e custos aduaneiros para empresas enterprise
Vários estudos e relatórios oficiais indicam padrões semelhantes de problemas que elevam custo, tempo e risco na alfândega brasileira.
Qualidade da declaração aduaneira
Erros em classificação fiscal (NCM), origem, valoração ou aplicação indevida de regimes especiais aumentam a probabilidade de canais mais rigorosos, exigências formais, multas e autuações.
Gestão de documentação e órgãos anuentes
Falta de alinhamento entre fornecedores, despachantes e áreas internas gera atrasos antes mesmo do despacho: licenças pendentes, laudos incompletos, divergências documentais com Anvisa, MAPA e outros órgãos.
Processos não padronizados
Cada unidade de negócio operando “à sua maneira” cria variabilidade grande de desempenho: tempos de resposta diferentes, níveis de controle distintos, prioridades conflitantes entre plantas, filiais e centros de distribuição.
Ausência de visão consolidada de dados
Quando informações de despacho, armazenagem, frete internacional, demurrage e estoques ficam dispersas em sistemas não integrados, a empresa perde capacidade de enxergar o custo total da aduana e de agir preventivamente.
Na prática, o resultado costuma aparecer em forma de aumento de custo de armazenagem e demurrage, estoques de segurança inflados para compensar incerteza e perda de competitividade nas exportações devido a prazos mais longos e menos previsíveis.
O que a diretoria deveria perguntar sobre alfândega
Do ponto de vista de conselho, C-level ou diretoria, algumas perguntas ajudam a tirar a alfândega do discurso genérico e trazer o tema para a mesa com dados:
- Qual é o tempo médio de despacho (registro → desembaraço) por recinto e por tipo de carga nas nossas operações, e como isso se compara aos dados públicos da Receita Federal para as mesmas regiões fiscais?
- Qual a distribuição dos nossos canais de conferência (verde, amarelo, vermelho, cinza) e o que isso revela sobre qualidade de declaração, gestão de risco e conformidade?
- Qual o impacto financeiro anual de armazenagem, demurrage e antecipação de compras diretamente associado a incertezas aduaneiras?
- Estamos usando de forma estruturada programas e regimes como OEA, drawback, entreposto e despacho antecipado, ou apenas de forma reativa e pontual?
- Qual é o nível de integração entre dados de comex, logística, supply chain e finanças para monitorar o desempenho aduaneiro?
Essas perguntas deslocam a discussão de “a carga está parada na alfândega” para “o quanto dessa parada é previsível, mensurável e gerenciável”.
Caminhos práticos para integrar a agenda aduaneira à estratégia de logística e supply chain
Para empresas de grande porte, algumas alavancas estratégicas tendem a gerar mais retorno.
Governança estruturada de comex
Criar um modelo de governança que centralize políticas, procedimentos e KPIs de comércio exterior, mesmo com execução descentralizada. Isso inclui diretrizes claras de classificação, regimes, documentação e relacionamento com despachantes e operadores logísticos.
KPIs de desempenho aduaneiro
Utilizar dados públicos da Receita Federal (como séries de tempo médio de despacho por região fiscal) em conjunto com dados internos para estabelecer metas por recinto, tipo de operação e parceiro.
Alguns indicadores relevantes: tempo de despacho por operação e recinto; distribuição de canais; frequência de exigências e autuações; custos associados (armazenagem, demurrage, taxas adicionais).
Integração sistêmica e visão fim a fim
Conectar sistemas internos (ERP, TMS, WMS, plataforma de frete) com o Portal Único e com dados de despachos, consolidando a jornada da carga: pedido, embarque, alfândega, entrega, faturamento.
Essa integração permite simular impactos de atrasos aduaneiros em estoque e nível de serviço; identificar gargalos recorrentes por tipo de produto, fornecedor ou recinto; e tratar aduana como parte do desenho do supply chain, não como “caixa-preta”.
Estratégia para o Programa OEA
Avaliar, com base em volume, perfil de operações e apetite regulatório, se a certificação OEA faz sentido. Para muitas empresas enterprise, os ganhos em previsibilidade e priorização de cargas justificam o investimento em adequação de processos, controles e documentação.
Uso da alfândega como insumo de decisão
Em vez de tratar cada exigência ou retenção como um evento isolado, é importante consolidar esses dados em uma base de “incidentes aduaneiros” e utilizá-la para:
- renegociar contratos logísticos;
- revisar políticas de estoque de segurança;
- ajustar estratégias de sourcing e rotas;
- embasar decisões de investimento em automação, digitalização e governança.
Alfândega como variável estratégica, não apenas operacional
A alfândega no Brasil opera em um ambiente complexo, mas segue avançando em digitalização, integração e gestão de risco, com iniciativas como Portal Único e OEA alinhadas ao Acordo de Facilitação de Comércio da OMC.
Para cargos estratégicos em grandes empresas, o ponto central é: uma parte relevante do desempenho aduaneiro está sob influência direta da empresa, via governança, processos, dados, escolha de parceiros e adesão a programas como OEA.
Quem conseguir transformar a alfândega em um tema monitorado por indicadores, integrado ao desenho de supply chain e conectado à agenda de competitividade terá vantagem concreta em prazo, custo, previsibilidade e gestão de risco em suas operações globais.
Se a alfândega hoje é um dos pontos de maior incerteza na sua cadeia, o próximo passo não é apenas “acompanhar processos”: é redesenhar como dados, sistemas e parceiros se conectam em torno dela.
Converse com o time da Cargo Sapiens e entenda, na prática, como trazer mais previsibilidade, visibilidade e controle aduaneiro para a sua operação de importação e exportação.