Quando falamos em competitividade industrial, nearshoring, reconfiguração de cadeias globais e uso intensivo de capital, as Zonas de Processamento de Exportação (ZPE) saem do rodapé regulatório e entram no centro da conversa estratégica.
No Brasil, as ZPEs foram redesenhadas nos últimos anos: marco legal atualizado, novos projetos aprovados, investimentos bilionários anunciados e uma decisão recente do STF alterando de forma relevante a lógica de exportação mínima.
Se decidimos onde investir, produzir, exportar ou integrar hubs logísticos, entender esse regime deixou de ser “tema do jurídico” e passou a ser variável de planejamento.
O que é uma ZPE hoje no Brasil
A Lei 11.508/2007 define as Zonas de Processamento de Exportação como áreas de livre comércio com o exterior, destinadas à instalação de empresas voltadas à produção de bens e à prestação de serviços para o mercado externo, sendo consideradas zonas primárias para efeito de controle aduaneiro.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), as ZPEs fazem parte de um programa nacional voltado a desenvolver a cultura exportadora, fortalecer o balanço de pagamentos, reduzir desequilíbrios regionais e difundir tecnologia.
Na prática, estamos falando de distritos industriais exportadores, cercados por um regime tributário e aduaneiro especial, sob controle da Receita Federal e do Conselho Nacional das ZPE (CZPE), vinculado ao MDIC.
Marco legal: da criação à modernização recente
O regime de ZPE foi estabelecido originalmente pelo Decreto-Lei 2.452/1988. Em 2007, a Lei 11.508 reestruturou esse modelo, detalhando o regime tributário, cambial e administrativo das ZPEs).
Em 2021, a Lei 14.184 modernizou esse marco, alterando diversos dispositivos – inclusive regras de criação, prazos de implantação e tratamento tributário de bens de capital.
Um ponto central foi o fim da exigência de exportação mínima de 80% da receita bruta para empresas instaladas em ZPE, validado pelo STF na ADI 7174. Análises jurídicas, como a nota da JG Law, detalham os impactos práticos dessa decisão para empresas que operam ou planejam operar em ZPE.
O CZPE e o MDIC atualizaram o regulamento e materiais orientadores, como o guia “Como investir em ZPE”, alinhando a norma infralegal ao novo marco legal.
Em resumo: ZPE deixou de ser sinônimo de enclave 100% exportador e passou a ser um regime industrial com forte viés exportador, mas com flexibilidade regulada para atendimento ao mercado interno.
Onde estão as ZPEs e qual a escala em jogo
Informações oficiais do MDIC indicam que o Brasil possui hoje doze ZPEs criadas, entre ativas e em implementação.
- Há ZPEs com obras concluídas, alfandegadas e em operação, como Pecém (CE) e outras citadas em relatórios oficiais (mesma página acima).
- Outras ZPEs estão em diferentes fases de implantação (como Açú, Suape, Imbituba, entre outras), com detalhes na área institucional do CZPE.
Em 2025, o CZPE aprovou 12 novos projetos empresariais em ZPE, com previsão de cerca de R$ 585 bilhões em investimentos, incluindo data centers, projetos metalúrgicos e amônia verde.
Um relatório do Senado Federal sobre a experiência brasileira com ZPEs mostra que, por muitos anos, o país teve apenas uma ZPE efetivamente operacional com impacto relevante – a de Pecém, no Ceará.
A auditoria da CGU comentada na imprensa também ressalta que, até recentemente, o programa tinha resultados limitados em comparação ao potencial previsto.
A combinação entre novo marco legal, decisão do STF e pipeline de projetos bilionários indica que ZPE está saindo da fase “promessa” e entrando em uma fase de maior execução.
Como funciona o regime tributário e cambial na prática
A Lei 11.508, com as alterações da Lei 14.184, disciplina o regime tributário, cambial e administrativo das ZPEs. Guias do MDIC e do CZPE detalham como isso se traduz na prática para empresas.
Entre os pontos mais relevantes para planejamento:
- Suspensão ou redução de tributos federais sobre importações e aquisições internas de máquinas, equipamentos e insumos vinculados à produção em ZPE.
- Tratamento aduaneiro diferenciado, já que a área é considerada zona primária, com controle concentrado e processos específicos.
- Regime cambial desenhado para apoiar operações predominantemente exportadoras.
A legislação também reforça o papel da empresa administradora da ZPE, responsável por infraestrutura, relacionamento com a Receita Federal e gestão dos lotes industriais.
Do ponto de vista de supply chain e finanças, isso afeta diretamente o custo total de investimento, o custo unitário de produção para exportação e a atratividade de projetos intensivos em capital e insumos importados.
O que estudos e análises apontam sobre o potencial de ZPE
O MDIC posiciona as ZPEs como instrumento de política de desenvolvimento regional e inserção externa, voltado a atrair investimentos, adensar cadeias exportadoras e gerar empregos.
A Associação Brasileira de Zonas de Processamento de Exportação (ABRAZPE) reforça essa visão ao descrever ZPEs como plataformas industriais orientadas à exportação, com foco em competitividade e integração global.
Ao mesmo tempo, análises como o relatório do Senado já citado e a auditoria mencionada pela imprensa mostram que, por décadas, a execução ficou muito aquém do potencial.
A “virada” recente fica clara na nota do MDIC sobre os 12 projetos aprovados para cerca de R$ 585 bilhões em novos investimentos e em análises específicas sobre novos serviços elegíveis a ZPE, como o estudo da Mattos Filho sobre data centers e serviços qualificados.
O que ZPE significa para a alta gestão de grandes empresas
Para conselho, C-level e diretoria de operações, supply chain e finanças, ZPE deixa de ser apenas “mais um incentivo fiscal” e passa a ser uma alternativa de desenho estrutural da cadeia de valor. Conheça algumas implicações estratégicas.
Localização industrial
Projetos intensivos em capital, energia ou insumos importados podem ter mudança relevante de viabilidade econômica se alocados em ZPE próxima a corredores logísticos (Pecém, Suape, Açú etc.), conforme mapeado pelo CZPE e pelo MDIC.
Estratégia de exportação
Regimes que reduzem carga tributária sobre bens de capital e insumos aumentam a competitividade da produção orientada ao exterior, com impacto direto em pricing e margem.
Risco regulatório
O fato de ZPE estar ancorada em leis específicas, interpretadas e validadas pelo STF, diferencia o regime de incentivos puramente infralegais, mais sujeitos a mudanças abruptas.
Integração logística
Como a ZPE é zona primária, o desenho de conexões com portos, retroáreas, ferrovias, rodovias e operadores logísticos precisa ser pensado desde o business case, não depois.
Ao mesmo tempo, ZPE exige uma musculatura organizacional mais robusta: governança com CZPE, Receita Federal e governos locais; capacidade de cumprir compromissos de investimento e emprego; gestão de compliance contínua.
Quando faz sentido colocar ZPE na mesa de planejamento
Em termos práticos, ZPE tende a fazer sentido principalmente quando:
- avalia-se projetos greenfield ou brownfield de grande porte, com forte vocação exportadora e alto capex;
- existe vocação regional clara (proximidade de porto, infraestrutura existente, incentivos estaduais alinhados), conforme mapeamentos divulgados pelo MDIC e estados em materiais sobre suas ZPEs (por exemplo, cases de Pecém em relatórios do Senado);
- a empresa está disposta a operar sob regime especial complexo por muitos anos, com controle mais intenso e relacionamento próximo com órgãos federais.
Se o projeto é predominantemente doméstico, de menor porte e com baixa vocação exportadora, é comum que os custos de complexidade regulatória superem os benefícios.
Perguntas estratégicas para avaliar aderência de ZPE ao negócio
Como checklist inicial para levar a uma discussão de planejamento:
- Qual porcentual da produção do projeto tem vocação exportadora real em horizonte de 5 a 10 anos, considerando cenário de mercados, câmbio e logística?
- Os ganhos tributários e aduaneiros estimados com base no marco legal da ZPE compensam eventuais custos adicionais de localização e infraestrutura?
- O cronograma de implantação e alfandegamento da ZPE específica é compatível com o nosso cronograma de investimento, considerando experiências anteriores relatadas em documentos oficiais e estudos?
- Temos estrutura interna (comex, jurídico, fiscal, relações institucionais) preparada para operar sob esse regime especial e manter o diálogo com CZPE e Receita Federal?
Responder a essas questões com dados e cenários ajuda a tirar ZPE da esfera da “oportunidade abstrata” e colocá-la em pé de comparação com outras alternativas de localização e incentivo.
ZPE e reforma tributária: um regime que tende a permanecer
Documentos técnicos do MDIC sobre ZPE e reforma tributária do consumo indicam que o regime está sendo preservado na transição para o novo modelo de tributação sobre bens e serviços, com ajustes finos, mas manutenção da lógica de incentivo.
Isso sinaliza que o governo enxerga ZPE como instrumento estruturante de política industrial e desenvolvimento regional, e não como incentivo conjuntural.
Para quem planeja investimentos com horizonte de 10+ anos, essa indicação de continuidade regulatória é tão relevante quanto o benefício tributário em si.
ZPE como opção de arquitetura de cadeia de valor
Zonas de Processamento de Exportação são, em essência, plataformas industriais exportadoras com um pacote integrado de incentivos tributários, cambiais e aduaneiros, ancoradas em legislação específica, em um conselho nacional e em decisões recentes do STF.
Para a alta gestão de grandes empresas, a pergunta não é apenas “vale a pena ou não entrar em ZPE?”, mas: para quais projetos-chave de investimento, reindustrialização ou reposicionamento global esse regime pode mudar o jogo em viabilidade, competitividade e gestão de risco.
Quando tratamos ZPE só como código em planilha de benefício fiscal, perdemos a dimensão de que estamos diante de um modelo alternativo de arquitetura de cadeia de valor.
Quando trazemos o tema para o planejamento com base em leis, dados, estudos e cenários, aumentamos nossa capacidade de capturar oportunidades em um cenário global que disputa intensamente capital, tecnologia e exportações.
Se ZPE já está aparecendo nas suas conversas de investimento, mas ainda fica no “depende, vamos estudar melhor”, esse é o momento de transformar hipótese em cenário concreto.
Mapeie quais projetos da sua empresa poderiam se beneficiar de uma ZPE, simule impacto em custos, logística e competitividade e leve números – não só opiniões – para a próxima reunião de planejamento.
Se quiser dar o próximo passo, fale com nosso time: podemos ajudar a estruturar a visão de cadeia internacional, custos logísticos e cenários de operação para que decisões sobre ZPE entrem na mesa com base em dados e visão de longo prazo.